quarta-feira, 13 de abril de 2016

E porque desejas a minha alma na tua cama?


Diz-me: E porque desejas a minha alma na tua cama?
O chão é cama para a paixão emergente,
Tateio a fronte, as palavras líquidas,
Ásperas, deleitosas e obscenas,
Maresia... Calma.
Era um passado, um só tempo vivo,
Eu desfalecendo, evaporando em terra,
Meu existir lascivo, pastoso.
Sobre mim, amor,
Colher o que me resta: poesia virtuosa,
Meu corpo teu calor.
Jubila-te da memória de coitos e afectos,
Da consumida alma vaiada,
Outrora vazia, porém desejada.

E para descansar do amor, vamos pr'a cama.

Hugo de Oliveira
Fotografia: Lu Kowski

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Caçador de sonhos



Naquele sopro,
Parti.
Quando a cidade era saudosa.
Das almas que outrora vivi,
Aqueles seres em meu corpo,
Vertidos,
Possuí... comi.
Se não me fosse negado,
Ai,
Tudo prometia,
O impossível para sempre,
Como o novo visível,
Aos olhos de outra gente.
Nesse instante,
De mim prostrado, tão diferente,
Entre o marco
das chagas perdidas,
Permaneço, suspenso, parado,
Ingerindo o vazio concentrado,
Horas, despedidas.

Hugo de Oliveira
Foto: Bertil Nilsson

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Dissabor



Neste pôr do sol durmo tristeza.
Cânticos infames, aos alegres invejosos,
De lamentar o mal que não lhes pesa,
Por uns trilhos sem fim, doces e saudosos.
Permaneço n'uma alma que não sente,
Beija-flor, em silêncio teus pérfidos segredos,
Mal-amado, em veios, enleios,
Derramados, monges e frades,
Perpetuados à cruz, salvo clemente,
Sinto meu pesar, alma cheia, teu ventre.
E dos sinos, teu credo, tamanha angústia,
Das preces em mim, Ave-Maria,
O vento embaraçado chora e reza,
Pelo nosso futuro, espessa agonia.
E de não mais sentir tamanha saudade,
Dos teus lábios escorre amargura,
Da chuva em flocos, ténue e fria,
Enlouqueço em mim, que fortuna, tortura.
Já farto de existir, com medo em ficar,
A minha alma sofre em silêncio, dor, dissabor,
Do teu corpo em mim, permanece, Amor.

Tudo o resto é pura tristeza.


Hugo de Oliveira
Fotografia: Lu Kowski